sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ressuscita-me



[revisto e atualizado]

Mayakovsky, autor do poema musicado por Caetano Veloso e interpretado no vídeo acima por Gal Costa, foi um poeta visionário. Sofria com a fome, a miséria e a injustiça na Rússia no início do século XX. Combateu as mazelas de seu país com palavras, pensamentos e atitudes. Queria ressurgir para transformá-lo, mas viu-se pequeno e incapaz diante da grandeza do sofrimento humano e, em 1930, aos 37 anos, suicidou-se frustrado com a impossibilidade da ressurreição e da transformação.

Vinte séculos antes, no entanto, um desconhecido judeu reacionário em um canto obscuro do poderoso império romano, havia elevado aos céus grito semelhante. O assombroso, nesse caso, é que ele foi atendido. O espetacular, em relação a toda humanidade, é que quando aquele clamor foi atendido, a resposta estendeu-se a todos. Diante de Cristo, ressurreição e transformação são reais.

“... estávamos mortos em nossos delitos e pecados... mas Deus nos ressuscitou com Cristo” (Ef 2:1-6).

O absurdo do cristianismo histórico, especialmente a versão reformada, é entender a ressurreição como um fim, como o objetivo da jornada do cristão. Se ressuscitamos, se já desfrutamos da eternidade, há de haver um motivo, um objetivo, uma razão maior que desfrutar do ‘céu’. Malayovski queria ressurgir para lutar contra as misérias do cotidiano, para encerrar os amores servis, para que ninguém mais tivesse de sacrificar-se por uma casa ou um buraco. Paulo queria algo semelhante:

“... para mostrar a graça... para fazermos boas obras” (Ef 2:7-10)

Jesus, como Paulo intuiu com precisão, veio anunciar a chegada de um Reino! “O Reino dos céus está próximo” – ao alcance das nossas mãos. Ele já está entre nós e nós somos responsáveis por sinalizar isso! Os evangelhos estão repletos de referências a um Reino entre nós, a respeito do qual somos responsáveis e que deveria ser nossa prioridade (Mt 6.33 - Mt 18.4 - Mt 25 - Mt 21.28-31, 43 - Mt5).

Com cristãos, temos que abandonar a visão escapista de “ir para o céu”, ou a visão acomodada de um Deus intervencionista que virá colocar tudo em ordem por nós. Temos que abraçar as visões proféticas e revolucionárias de artistas e poetas como Malayovsky.

Fazer discípulos é fazer pessoas que, assim como Jesus, ajam em favor do Reino. Já pensou? Pessoas imitando Jesus e levando outras pessoas a o imitarem*. Essa é a função do Evangelho do Reino, da nova vida em Cristo. Esse é o motivo do nosso clamor:

Ressuscita-me!

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O Amor
Letra: Mayakovsky
Música Caetano Veloso

Talvez, quem sabe, um dia
Por uma alameda do zoológico
Ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita
Ela é tão bonita que na certa
eles a ressuscitarão
O século 30 vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo que não podemos amar na vida
Com o estrelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me
Ainda que mais não seja
Porque sou poeta e ansiava o futuro
Ressuscita-me
Lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida
Para que não mais exista amores servis
Ressuscita-me
Para que ninguém mais tenha
De sacrificar-se por uma casa ou um buraco
Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja, pelo menos, o universo
E a mãe
Seja, no mínimo, a terra
A terra, a terra

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* É sempre bom lembrar, para o leitor desatento, que devemos fazer discípulos de Cristo e não nossos, como nos induzem a crer as hierarquias de ‘autoridade espiritual’.

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Ventilado a partir do sopro original de Gladir Cabral.


Publicado originalmente no blog A TRILHA.

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